Os silêncios que perduram!
- A vida é feita de acontecimentos, sempre uma reviravolta, sem nunca parar! Ouvimos todos a falar de tudo, e mais alguma coisa...
- E começas tu com todas as tuas filosofias, que interessa isso?
- Nos dias que passam, não é o barulho das palavras disparadas por uma TV, uma internet que larga cada movimento como sendo uma noticia relativamente importante, quando a banalidade impera...
- E continuas! Nunca te calas com esses discursos filosóficos, que não levam a lado algum!
- Quando a indiferença reina, resta o silêncio ensurdecedor, de uma não acção que por si só já o é, enquanto o silêncio ocupa o lugar, os corpos param, ficam a espera que tudo aconteça, sem nunca parar...
- O que é o parar tem haver com o resto? Para com tantas palavras sem nexo!
- Os corpos movem-se numa dança silenciosa, esperando um barulho, uma palavra, um som, algo que permita a relação...
- Qual relação? A nossa? A NOSSA?
- Quando o silêncio ocupa o trono, é porque tudo o resto simplesmente acabou...
- Diz, A NOSSA? ESTÁS A FALAR DO QUÊ?
(silêncio)
- FALA! DIZ O QUE QUERES DIZER COM O SILÊNCIO?
(silêncio)
- FALA! NÃO TE CALES! FALA SE TENS CORAGEM!
(silêncio)
- FALAAAAA!
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Do outro lado da porta...
- Ele está a falar e de momentos começa a gritar!
- Fala do quê?
- Do silêncio! Fala como se estivesse lá alguém!
- Ele fala a qualquer hora?
- Não! Começa a falar a partir das 19horas! Porquê?
- Foi a hora que a minha mãe morreu!
(Espanto)
- A minha mãe falava dos silêncios nas relações, estudou isso pela vida inteira, quarenta anos a estudar o silêncio na relação humana! E lia com regularidade os textos ao meu pai! Eles adoravam conversar sobre tudo, nunca havia silêncios em casa, quando estavam juntos!
- Lamento pela sua perda!
- Eu não perdi, quem perdeu foi ele, ele deixou de a ter para estar a seu lado a falar, a conversar com ele, a debater, a dizer parvoíces, a dizer tudo o que nem sempre faz sentido! Eles estavam sempre um com o outro quando criavam no atelier. Desde que ela partiu, ele não aguenta o silêncio!
- É a minha primeira vez que fico no turno da noite, nunca o tinha visto assim! Desculpe!
- Nunca me tinham dito que ele continuava a gritar a hora certa! O meu pai foi encontrado a gritar com a minha mãe ao lado, deitada! Já não respirava! Ele só gritava pelo fim do silêncio! Encontraram passado três dias.
- Um amor muito bonito, dos seus pais!
- Sim, na vida.. não na morte! As vezes desejamos assim algo, que nos tire o fôlego, que nos arrebate... Mas nem todos nós temos a mesma sorte, nem o mesmo azar... A loucura tomou o lugar do amor.
- Pelo menos houve um amor!
- A que preço? De uma vida?
- De uma existência mais plena! Mais suportável!
- Suportável? A loucura de um silêncio, que teima em reinar, quando o Amor percorre nas veias! Não consigo imaginar que pudesse ser assim, não assim. A vida faz com que a cada momento o meu pai se afunde... não tenho o meu porto de abrigo, já não a tenho... ela era quem me fazia rir depois de horas a chorar por um desgosto de amor... ela entrava pelo quarto em silêncio, e em silêncio confortava... A nossa relação foi de silêncios, olhares, de partilha de um abraço. O meu pai debatia tudo comigo. Com a minha mãe falávamos... nunca mais voltei a conseguir falar com o meu pai... fechou-se no silêncio, gritando a hora da partida dela!!! Perdi o meu norte!
[Fecha o pano]
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