Conto de Natal - Terra dos sonhos - O sábio hippie


Passado alguns dias, deambulando pelos trilhos e pela sede de aventura, foi perdendo-se na terra, avançando cada vez mais por entre rochas e água, acabando por ir parar a uma cascata. 


Sentou-se a contemplar a luz que tocava a água, respirando fundo, enquanto olhava a vida a acontecer a sua volta. 

Descalçou as botas, despiu as meias, os calções e a tshirt, ficando em biquíni.

Atirou-se para a pequena lagoa, mergulhando demoradamente. Nadou e com calma voltou a superfície. Sentou-se numa pequena rocha ao sol, apanhado um banho de sol. 

Estava centrada no aqui e no agora, quando acabou por ser interrompida por uma velha voz a cumprimenta-la: Bom dia viajante!

Abriu os olhos surpreendida com o cumprimento, levantou-se e tentando localizar a voz no meio da luz que irradiava por todo o lado.

Quando o localizou no meio da praia, viu um homem com cabelos brancos compridos, em tronco nu, e de calças azuis largas. Carregava uma pequena bolsa a tira colo de pano. Caminhava descalço e com enorme bastão para o acompanhar. Não era a sua única companhia, um jovem rapaz, pelos trinta acompanhava-o, carregando algumas sacas de plástico.

Cumprimentou-os: Bom Dia!

Velho Hippie falou: Gostou do caminho até aqui?

Deveras, muito puxado e belíssimo. Deu vontade de parar aqui e gozar um pouco. - respondeu!

É um lugar muito bonito, que a maior parte das pessoas nem sabe que existe! E ainda bem, muitas vezes vêm sempre cheio de coisas e deixam muito lixo para trás. - desabafou o velho hippie.

Ainda não reparei que houvesse lixo, está muito limpo! - Olívia respondeu ao mesmo tempo que tentava perceber se iriam falar muito, para ela voltar a se deitar ao sol.

Sim, eu costumo limpar a cada três semanas, venho com umas sacas e apanho o lixo até lá atrás! Hoje vim com o meu jovem amigo que hoje me veio ajudar nesta tarefa. - partilhou o velho hippie

O rapaz acenou com a mão. E ambos sentaram-se na praia daquela pequena lagoa. Olívia sorriu e acabou por se deitar. Sentados na praia, trocavam impressões entre si.

O velho hippie brincava com o jovem: Uma tentação!

As vezes as tentações vem de vários lados e de várias coisas! - respondia o rapaz.

Sim, também existem tentações que são simpáticas, e outras que matam aos poucos! - respondia o velhote

Se olharmos a tentação, vemos a tentação de deixarem o lixo pelo chão, abandonado sem que ninguém o reclame e esperando que desapareça da superfície da terra, levado pela água. - argumentava o rapaz, olhando para os vários locais depois de se sentar na pequena praia.

Enquanto isso, simplesmente Olívia ouvia ao longe, uma vez que a sua mente navegava entre o agora e assuntos pendentes do seu passado recente. Quando foi novamente interrompida pelo novo amigo.

É preciso cuidado, as vezes estas águas acabam por nos levar ao sono e sonhamos impossíveis, e simplesmente quando voltamos já não somos os mesmos. - alertava o velho sábio - Em momentos como esses tomamos algumas decisões que não eram as mais esperadas. 

Olívia acabou por responder, visto que queriam falar. Quer dizer, notava-se que a vontade era mais expressa pelo velho sábio, por adorar conversar e partilhar os seus saberes. Olívia decidiu olhar para o sábio e responder, contudo precisou de mergulhar, o sol começava a ficar mais quente, e era importante resguardar-se um pouco à sombra.

Depende do que decidimos e o que queremos para a nossa vida. As vezes a vida, é mais profunda e mais imponente, noutros dias é mais simples e mais básica do que parece. Agora depende do que cada um decidiu para si e para a vida que vive todos os dias. - respondeu Olívia.

Sim, estas terras tem essa magia! Tem o poder de regenerar como tem o poder de abrir as feridas antigas para as sarar. Já aconteceu a muitos que por aqui passaram! - respondeu o velho sábio, enquanto o jovem amigo permanecia calado.

Olívia que adorava uma boa discussão de ideias, começou a provocar simpaticamente o velho sábio, tentando que este falasse de forma mais directa.

Vejo que gosta de abordar as coisas de forma mais filosófica! Percebo que as gentes daqui têm uma forma de ver e falar sobre os perigos, como se estas terras reclamassem vidas. - provocou Olívia

Sim, a frase correcta é essa! - respirando fundo, continuou - Estas terras reclamam as suas gentes e as suas vidas, quando não vividas na sua plenitude e quando não sentidas. O estrangeiro que passa, sente a magia, mas não a percebe. Quem têm no sangue a correr descendência daqui, mais cedo ou mais tarde, vêm cá parar como se viesse a um julgamento da sua vida!

Olívia olhou-o profundamente e percebeu que ele falava dela como de muitos mais, tinha forma de compreender quem lhe passava pelas suas terras, cumprindo assim a sua missão de partilhar a filosofia da terra.

Olívia encontrava-se num momento de decisão, apesar de adorar o que fazia, tudo isso tinha-lhe retirado tempo para conhecer o mundo e apaixonar-se, afinal de contas o tempo não dava para tudo, pelo menos ela assim se enganava. Tinha decidido vir para relaxar e parar, precisava de tempo para perceber o que fazia sentido a ela, e o que fazia sentido ao seu mundo.

Olhou para a água a correr, e pensava como a água é mágica, sempre a correr, desviando-se dos obstáculos sem grande esforço e sempre com energia para continuar mesmo quando surge um novo rochedo. Alimentando todos os animais e árvores que habitam perto dela, e dela sobrevivem ao calor elevado que faz por estas terras.

Tinha chegado ao momento em que se esquecera que dia era, sabia que era um dia da semana, mas esquecera qual. Sentia somente que estava onde devia estar, mesmo tudo parecendo estranho. Quando voltou a olhar o velho sábio, este sorriu e respondeu-lhe: Bem vinda! - permanecendo-se em silêncio, contudo os olhos falavam.

Olívia  devolveu o sorriso, já estava a perceber o que acontecia por ali. A terra obrigava a meditar e parar e pensar o que tínhamos para viver, e o que já teríamos vivido, obrigando a cada um a pensar sobre o que seria melhor para si, depois daquele momento.

Já percebi que esta terra, esta água, esta vegetação nos obriga a parar e relaxar, não podemos ter a aceleração do dia a dia aqui, a terra obriga-nos a parar e a meditar sobre tudo! E o senhor por aqui dá uma ordem nisto, de forma a ajudar a manter o equilíbrio. - devolveu Olívia

Você faz-me de uma história de a muitos anos atrás... Também tinha o seu olhar sobre a vida, com muitas decisões para tomar... lembro-me das primeiras vezes que a vi, vinha por uns dias, ficou cá alguns meses, quase um ano. Só parecia mais triste que a menina... Sim muito mais triste. Apesar disso era aventureira! Era médica, nascida no norte mas levada para o sul. -
contava o velho sábio

Olívia olhava-o com atenção, algo na história era reconhecido por si, não percebia ainda o quê.

Quando nos conhecemos, foi aqui nesta lagoa, fez muito semelhante ao que a menina fez, deitou-se na rocha a apanhar banhos de sol, e mergulhava com alguma frequência. Evitando ficar muito quente ao sol. Tinha chegado das minhas caminhadas, quando me sentei aqui para descansar. E começamos a falar, após me meter com ela. E ela educadamente foi respondendo, pouco depois partilhávamos ideias sobre diversos assuntos. Acabamos por falar do desleixo do homem e ao lixo que faz e deixa para trás, falamos de forma pragmática e filosoficamente. O lixo tem muitas formas para se reflectir, e fomos partilhando sobre ideias, e acabou-se por surgir a ideia de apanharmos o lixo da serra, nesta zona de cascatas enquanto estávamos aqui. Durante o tempo que esteve cá, acabávamos por nos encontrar a cada quinze dias e íamos apanhar o lixo, partilhando reflexões sobre a vida. Desde então todos os meses passo por aqui, com umas sacas e venho apanhar o lixo de outros, para que a terra e a água possa estar limpa e saudável. - terminou o velho sábio

E o que aconteceu à sua amiga? - curiosa perguntou-lhe.

Ficou em silêncio durante algum tempo.

Depois respondeu: A terra reclamou a sua alma!

Olívia percebia que tinha chegado ao momento que não poderia perguntar mais nada, percebendo que doía ao velho sábio. Contudo conhecia a mulher da história, soava-lhe familiar.

Pouco depois, chegado ao pico do sol sobre a cascata, chegava a hora de almoçar e Olívia partilhou o seu almoço com eles, também eles traziam alguns alimentos para comer durante a caminhada e naquele momento aconteceu um almoço partilhado.

E retomaram a filosofia do lixo deixado para trás.

Pouco depois partiram, ficando Olívia sozinha nos seus pensamentos.

O sol já estava mais dourado quando decidiu partir, para lá voltar mais vezes. Teria ainda 30 minutos de caminhada até ao carro, por entre pedras, rochedos, terra, raízes e muito esforço, mas valeria a pena. Pensou: Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. 

E começou o regresso ao carro.

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