Sobe o pano...

Sobe o pano...

O foco de luz desce sobre ele, treme...
Tenta respirar profundamente, não consegue...
as lágrimas descem pela face, o texto decorado e dito tantas vezes não sai!

O olhar foca-se no vazio, a mente desliga do murmurinho crescente...

Já não está no palco... Encontra-se na Estação de comboios,

lembra-se das juras de amor, palavra por palavra, dos toques, das caricias...

Lembra-se do afastar, da corrida para apanhar o comboio, de ter deixado para trás...

Fica tudo escuro, lembra-se da chamada, da frieza...

Novamente o vazio... lembra-se da carta, das palavras trocadas, dos medos partilhados, lidos numa tarde de Outono...

Novamente o escuro... Lembra-se do postal recebido, do outro lado do mundo, da comunicação, da partilha, da solidão, do amor, da despedida...

Volta ao dia, aquele dia daquela apresentação teatral...

Começou com uma angústia crescente, não é tomado o pequeno almoço, não é falado nada, somente o silêncio que surge antes da tempestade...

Recebe uma chamada, comunicam a morte, do outro lado do mundo... tinham passado 10 anos... nada mais havia, somente o telefone caído, o silêncio...

Imperou por horas, é interrompido com a entrada de estranhos, colegas de profissão, estranhos no amor... Arrancam do tupor de um vazio que ocupa, que invade...

Entra na aceleração, deixa de sentir... começa o dia, atrasado e acelerado...

Passam as rotinas de um dia de teatro, de uma peça importante, de um actor de renome... 

Chega ao camarim, retoca-se assume a personagem... 

Devaneios do destino, assume o homem que chora o amor perdido na viagem da vida, um homem que partiu para nunca mais voltar... abandonando aquilo que definiu como o seu amor de sempre...

passa por todas os cenários, a descoberta da nova terra, o sacrifício em nome da arte, a fome, o desespero, as palavras de animo escritas numa folha de papel, as juras de amor distante por uma missão. A ajuda, a 1ª peça, a 2ª, e todas as outras, o esquecimento, os novos amores, a carta de despedida, a viagem sem destino... noticias enviadas pontualmente por um postal, sempre com um sorriso... sem remetente.

E a chegada da carta, com a declaração da morte... e as lágrimas rolam pela face abaixo... 


E no meio do palco, chora...

Na peça como na vida, representa o papel, não percebe quando começa o papel e onde acaba o homem... Tudo se funde, e passa somente a ser uma personagem em cima de um palco...

Não se percebe qual o palco que predomina, se a vida ou a fantasia...

Fecha o pano...





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